domingo, 4 de outubro de 2009

Mosaico



Rita é morena, tem olhos verdes e adora brincar de boneca. É filha de Seu Jair e D. Judith, e mora com os pais numa casa-verde-escura. É, verde escura. Rita não gosta muito da cor, mesmo D. Judith dizendo que verde é a cor da natureza. “Se eu fosse minha mãe, pintaria a casa de rosa-choque!” segredou Rita ao seu amigo Twico, o passarinho azul. Logo um cheiro delicioso invadiu o cômodo: era Tia Mercedes, dona da confeitaria e da casa-azul, também escura, ao lado. Tia Mercedes é muito legal. Ela sempre faz bolinhos gostosos e rechados pra turminha da Rita, e todo mundo se lambuza até raspar o prato. “Besteira você come, né, dona Rita?” reclamava D. Judith, “Olha, minha filha, saco vazio não pára em pé!”. Tia Mercedes gargalhava. Na verdade eu acho que ela só ria, mas por ser tão gorda sua barriga mexia tanto que eu acho que ela gargalhava mesmo. “Deixa a meninada comer, Judith... é tudo criança, tem que aproveitar” dizia a voz grossa da Tia Mercedes. A meninada comemorava. Mas, para Paulinho, uma das crianças que enchiam a pança, a comilança acabou cedo. Sua mãe Roberta chegou esbaforida mandando o menino ir “Já pra casa!”, coitado. Deixou o bolo pela metade e foi pelos paralelepípedos levando palmada até sua casa-vermelha. Ninguém sabe o que Paulinho fez, mas alguma ele aprontou. Paulinho sempre apronta. Uma vez esse menino roubou todo o sabão de coco da D. Sebastiana, a lavadeira do vilarejo, e ficou tacando na parede de casa, que era pra ver se grudava. D. Roberta quase caiu dura pra trás quando chegou e viu a casa naquele estado, e mais uma vez botou seu filho de castigo. Ainda bem que D. Sebastiana é gente boa, nem reclamou. Apesar de trabalhar pra caramba, a lavadeira gosta da vida que leva (ou que lava?) e principalmente de morar na casa-amarela. D. Sebastiana vive pintando e repintando seus muros. Por ter cor clara, a fachada suja fácil fácil, e por isso ela compra tinta com Seu José, o pintor do vilarejo, que até cobra baratinho. Seu José, apesar de ser pintor, é o único que mora na casa-branca. Diz que já tem muito trabalho pintando a casa dos outros, não quer ter mais pintando a sua própria. Faz sentido. Só o que importa na vida de José é seu time de futebol, o Pintando o Sete Futebol Clube. Adora fazer churrascos e chamar seu amigo, o da casa-marrom de cima, Seu Carlos. Os dois se entopem de carne e assistem televisão num volume altíssimo até tarde, o que incomoda muito Rafaela, moradora da casa-azul-clara ao lado. Rafaela é estudante e precisa de concentração máxima para fazer seus deveres de casa e ler seus livros, mas Seu José e Seu Carlos não deixam. Rafaela faz de tudo para o barulho acabar: bate na parede, telefona, toca a campainha e chama a policia. Pena que o único policial que existe na vila é exatamente o Seu Carlos, então fica difícil. Outro dia Rafaela ficou tão desesperada que até tomou uma cervejinha com os dois, mas logo depois, por uma discussão de cor, voltaram a ser inimigos. Desde então não se falam mais. A estudante é a única que não tem relação alguma com o pessoal do vilarejo, a não ser com um passarinho azul muito estranho que de vez em quando pousa por lá. Ela já ouviu dizer que ele pertence à uma tal de Rita, mas nunca encontrou a menina. Tem vezes que Rafaela passa a tarde inteirinha conversando com o passarinho. É seu melhor companheiro.
Também tem o Reco-Reco, o único mendigo da vila. Ninguém sabe ao certo qual é seu nome verdadeiro, mas é só chamar “Reco-Reco!” que ele atende. Acredite ou não, o mendigo é a única pessoa que tem uma casa de dois andares, a casa-bege. Reco-Reco vive pedindo dinheiro, mas Dona Norminha, irmã de D. Judith, mãe de Rita, diz que ele é rico. Vai saber...
Enquanto isso, na cidade grande, Tininha imagina uma história pro mosaico que acabara de criar.